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O repente é uma das manifestações mais características do nordeste, e um importante patrimônio poético-musical brasileiro. A segunda metade do século XIX parece ter sido uma época áurea para os cantadores, muitos dos quais alcançaram fama regional e mesmo nacional. Rodrigues de Carvalho foi um dos primeiros a documentar, em seu "Cancioneiro do Norte" (1903), esse repertório que circulava na tradição oral rio-grandense e paraibana. Outros pioneiros foram Leonardo Mota, em "Cantadores – Poesia e Linguagem do Sertão Cearense" (1921), e Francisco das Chagas Batista, em "Cantadores e Poetas Populares" (1929).
Fabião das Queimadas (1848-1928) é um exemplo de cantador que conseguiu ganhar o reconhecimento da elite, frequentando festas do governador Joaquim Ferreira Chaves e do próprio Câmara Cascudo. Talvez seja por isso que dele não faltam registros, até mesmo fotográficos, sendo que sua família conservou inclusive o arco original de sua rabeca. Outro com farta documentação a respeito é Neco Martins, coronel e membro de uma família de latifundiários. No entanto, sobre Chica Barrosa, violeira negra com quem Neco teria duelado, quase não há registros além dos versos transcritos a partir dos relatos orais – como aliás ocorre com a maioria das mulheres repentistas daquele período – levando alguns inclusive a questionar a sua existência. Discorrendo sobre "Maria Tebana", Atila de Almeida e José Alves Sobrinho exemplificam esse fenômeno:
"cantadora norte-rio-grandense do século passado sobre a qual as notícias se resumem a fragmentos de desafio havido entre ela e Manoel do Riachão. O desafio, pela mostra, é medíocre. Em Vaqueiros e Cantadores, Câmara Cascudo fornece dela retrato mais realista ou fantasioso: 'possuiu uma das mais fortes e lindas vozes de que o sertão se orgulhava. Versejava com rapidez e seu 'repente’ era assustador…'. Nunca houve quem soubesse em que município e ano nasceu. Ao contrário, da existência de Rita Medeiros, há mais certeza."
Existiriam outras fontes históricas sobre essas cantadoras, sendo que a maioria delas eram filhas do povo, analfabetas, e mesmo ex-escravizadas? Em nossa investigação, tratamos de buscar registros da existência dessas repentistas, centrando-nos na figura de Maria Turbana, também chamada Maria Thebana (com e sem "h"), Maria Trubana, ou mesmo Trobana. Pesquisando assentamentos paroquiais em dioceses do interior da Paraíba e do Rio Grande do Norte, jornais e periódicos literários da época, chegamos a encontrar menções anteriores a 1903, e relatos de contemporâneos que testemunharam de sua existência na década de 1870. E surpreendeu-nos encontrar uma forma de memória popular que dispensa a intermediação de arquivos e bibliotecas: num terreiro de umbanda ativo na periferia de Recife, versos de Maria Turbana na boca de uma pombagira que leva seu nome – os mesmos registrados por Rodrigues de Carvalho quase 120 anos antes.
Palavras-chave: Repente; Repentistas; Maria Turbana; Memória Popular; Tradição Oral.
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