II Encontro de Musicologia da UFPE (II EMUFPE)

America/Recife
Auditório Evaldo Coutinho (Centro de Artes e Comunicação e Instituto Ricardo Brennand)

Auditório Evaldo Coutinho

Centro de Artes e Comunicação e Instituto Ricardo Brennand

Universidade Federal de Pernambuco Centro de Artes e Comunicação Departamento de Música Avenida da Arquitetura, S/n - Campos Universitário Recife - Pernambuco - Brasil CEP 50740-550 Instituto Ricardo Brennand R. Mário Campelo, 700 - Várzea, Recife - PE, 50741-904
Carlos Sandroni (Universidade Federal de Pernambuco), Leandro Montovani da Rosa (Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)), Luciana Câmara (Federal University of Pernambuco), Maria Aída Falcão Santos Barroso (Universidade Federal de Pernambuco - UFPE), Roberto Dutra (Universidade Federal de Pernambuco), Wheldson Marques (Instituto Ricardo Brennand)
Description

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Formulário de registro - II EMUFPE
    • Apresentação musical: Grupo Flauta de Bloco Auditório Evaldo Coutinho

      Auditório Evaldo Coutinho

      Centro de Artes e Comunicação e Instituto Ricardo Brennand

      Universidade Federal de Pernambuco Centro de Artes e Comunicação Departamento de Música Avenida da Arquitetura, S/n - Campos Universitário Recife - Pernambuco - Brasil CEP 50740-550 Instituto Ricardo Brennand R. Mário Campelo, 700 - Várzea, Recife - PE, 50741-904
      • 1
        Recital de abertura

        Apresentação do grupo Flauta de Bloco. Direção: Daniele Cruz.

    • Palestras: Conferência de abertura
      • 2
        Conferência de abertura
        Speaker: Daniel Sharp (Tulane University)
    • 10:45
      Intervalo
    • Comunicações: Comunicações 1
      • 3
        Nordestinidade e a voga modal na música popular brasileira dos anos 1960 a 1980

        O presente estudo discute a reverberação no campo da música popular brasileira, na segunda metade do século XX, de uma brasilidade inspirada nos sertões do nosso país, sobretudo nos sertões da região nordeste. Brasilidade que, sonoramente, passa a ser traduzida por meio de procedimentos composicionais modais. Tal modalidade é ouvida ainda hoje como índice de brasilidade e está presente na produção de compositores populares nordestinos e não-nordestinos que obtiveram projeção no cenário nacional – e até mesmo internacional – a partir dos anos 1960. É o caso de artistas como Alceu Valença, Baden Powell, Caetano Veloso, Dominguinhos, Edu Lobo, Egberto Gismonti, Elomar, Geraldo Azevedo, Gilberto Gil, Hermeto Pascoal, Moacir Santos, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, entre tantos outros.
        Cruzando dados biográficos desses artistas com depoimentos, críticas, estudos de identidade, de nacionalismo e de invenção de tradições, aliados a análises de recursos composicionais, este trabalho problematiza esse modalismo nordestino. Um modalismo que é apontado pela crítica musical como zona de interseção na produção desses compositores, e que tende a ser valorado como manifestação da essência de nossa cultura. Procurando contrapor tal visão, na presente comunicação esse modalismo é ponderado sob o prisma da indústria cultural: como poética temporalmente e geograficamente localizável, que atende a um determinado projeto de identidade nacional brasileira.
        São levantados questionamentos em relação à forma como o modalismo nordestino é naturalizado em sua expressão a partir da autoridade e prestígio alcançados na grande mídia por determinados compositores nas décadas de 1960, 1970 e 1980. É aventada a possibilidade de que tal prestígio e sucesso midiático esteja relacionado ao fato desses compositores corresponderem aos estereótipos que estavam sendo propagados a respeito das sonoridades ‘tipicamente’ brasileiras naquele momento histórico-político.
        O estudo comenta ainda a relação entre a exploração de sonoridades modais e discursos sobre o cultivo de valores como ancestralidade, rusticidade, simplicidade, pureza, honestidade e fé. Para isso, faz alusão ao mito do “bom selvagem”, do filósofo franco-suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). São investigadas estratégias de legitimação dessa brasilidade, como a valorização das origens e vivências sertanejas dos compositores populares em questão, bem como a vinculação de suas produções com a obra de ‘heróis nacionais’, como Villa-Lobos e Guimaraes Rosa.
        Em suma, o trabalho apresenta uma reflexão sobre o potencial das sonoridades ditas modais nordestinas endereçarem um movimento musical inserido num projeto estético-ideológico específico (anos 1960-80). Tal movimento, teria sido colocado em prática por múltiplos agentes, a exemplo de críticos musicais, produtores culturais de atuação midiática, curadores de eventos, diretores de peças teatrais, empresários da indústria fonográfica, entre outros, além dos próprios artistas.
        Palavras-chave: modalismo; modal nordestino; sonoridades nordestinas na música popular brasileira; MPB dos anos 1960 a 1980.

        Speaker: Ms Marilia Carvalho (Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC))
      • 4
        Diversidade musical teresinense: reflexões sobre o curso de extensão “Etnografia da música e decolonialidade”

        No segundo semestre de 2023, a Universidade Federal do Piauí promoveu o curso de extensão "Etnografia da música: práticas, escritas e reflexões decoloniais". Nesse momento, foram documentadas práticas musicais de diferentes origens encontradas na cidade de Teresina. Alinhada a uma perspectiva decolonial, tal iniciativa aproximou o conhecimento acadêmico das dinâmicas socioculturais para promover diálogos interculturais e habilidades de escrita etnográfica. O curso estruturou-se em três frentes: etnográfica, reflexiva e decolonial; dimensões que trataram respectivamente da documentação e análise das práticas musicais locais, de leituras e discussões teóricas e de crítica aos paradigmas eurocêntricos. Nesse sentido, encontramos embasamento teórico nas propostas de Antônio Bispo, Anthony Seeger, Clifford Geertz, Aníbal Quijano e Edilberto Fonseca. Partindo desses referenciais, a metodologia contou com participantes-pesquisadores (como denominamos os concluintes do curso) que realizaram “mini-pesquisas de campo”. Essa ação os aproximou momentânea e simultaneamente da posição de pesquisadores amadores e/ou em formação. Dessa forma, cada participante-pesquisador construiu dados sobre uma prática musical. Posteriormente, esse conteúdo, que poderia ser de cunho textual e/ou audiovisual, foi analisado e categorizado. Como resultado desse processo, temos a documentação de nove práticas musicais que foram apresentadas e discutidas ao longo do curso de extensão. Para o presente trabalho, selecionamos seis dessas práticas musicais com base em critérios como representatividade da diversidade musical local, bem como potencial para apresentar temas e questões de cunho decolonial. Dessa forma, ao unir etnografia e decolonialidade, o curso documentou distintos gêneros, estilos e fazeres musicais presentes na cidade de Teresina: da banda de heavy metal à banda gospel; de artistas independentes à um violonista com formação acadêmica; passando, inclusive, por uma banda infantojuvenil. O processo de categorização, reflexão e análise dessas sonoridades proporcionou um espaço inclusivo, democrático e representativo das diversidades culturais, onde as vozes subalternas puderam ser ouvidas e valorizadas Finalmente, destacamos a importância de uma abordagem etnográfica e decolonial, que não apenas documente, mas também promova a inclusão e a representatividade das diversidades culturais.

        Speaker: Prof. Renan Bertho (Universidade Estadual de Maringá (UEM))
      • 5
        A “anti-música” no nordeste: Música urbana periférica e a rede de sociabilidade que sustenta o Grindnoise sergipano.

        A proposta visa refletir sobre a ideia de “anti-música” dentro da cena grindnoise no estado de Sergipe/Brasil em meados dos anos 80 e 1990, focando em grupos musicais oriundos da cultura punk que usam o ruído sonoro (GODDARD, HALLIGAN, HEGARTY, 2012) e técnicas de deterioração sonora como recursos expressivos. Grupos como Putrefação Humana e Liprofenia são apresentados a partir de registros fonográficos e da investigação sobre os elementos que promovem a rede de sociabilidade nessa cultura musical. Iremos apresentar elementos da música urbana periférica e o contexto que promovem esses projetos estéticos no nordeste brasileiro. A ideia de “anti-música” é apresentada como subversão ao modelo musical hegemônico a partir dos relatos do grupo, onde percebemos singularidades no uso do ruído e nas técnicas de difusão e gravação sonora. Refletimos sobre a noção de oposição e afirmação presente nos discos: O Papa (Liprofenia-1992) e Colhendo Desespero (Putrefação Humana - 1994) . A partir da dissolução estética, modelos marginalizados e aparentemente sem contornos singulares ganham autonomia e se sustentam a partir de características oriundas de um contexto próprio. Em Sergipe, observamos, a partir dessas manifestações, uma familiaridade com o ruído sonoro, desenvolvendo o que se define pelos grupos como a “anti-música”. Nossa análise reflete sobre o imaginário do contexto sergipano a partir da noção de invisibilidade e esquecimento proporcionada pelo contexto do estado, representados em fanzines que desenvolvem tais temáticas, como o "Buracaju”. A noção de rede de sociabilidade aparece no trabalho como fonte de sustentação de tais manifestações tendo em vista a subversão do produto e o desvio da ideia de venda desenvolvida pela cultura hegemônica. Aqui a moeda se dá a partir da troca e compartilhamento de ideias, sons e espaços. Com isso, buscamos subsídios que possam caminhar para uma abordagem musicológica com foco na constituição da sonoridade a partir do contexto singular apresentado através da rede de sociabilidade que compõem esses modos de fazer no nordeste brasileiro.

        Speaker: Mr Carlos H M Alves (UFPB)
    • 12:30
      Almoço
    • Mesas: Mesa 1: Espaços e Práticas de Performance de Músicas do Nordeste
    • 15:30
      Intervalo
    • Comunicações: Comunicações 2
      Convener: Prof. LEANDRO MONTOVANI DA ROSA (Universidade Federal de Pernambuco (UFPE))
      • 6
        O cavaquinho no frevo em Pernambuco: A construção da identidade cultural dos cavaquinistas (1984-2000)

        Pernambuco é conhecido no Brasil por ter uma diversidade de gêneros musicais, onde podemos ver a atuação do cavaquinho nas festividades, produções fonográficas e formações instrumentais distintas. Este instrumento surgiu em Portugal e se expandiu para outros países, desenvolvendo em cada lugar onde chegou uma linguagem e singularidades. Uma construção de identidade que se dá através da forma como é tocado pelos cavaquinistas, sua anatomia e interações sociais em torno da sua prática.
        O cavaquinho ganhou popularidade no Brasil e está presente em gêneros como o samba, choro, forró e o frevo. Os cavaquinistas que tocam o frevo, tem sua performance no cavaquinho como solistas e na base harmônica, através dos regionais de choro e das orquestras de pau e cordas que acompanham os blocos líricos (Dantas, 2019). Esta formação instrumental é um regional de choro ampliado com flauta, clarinete, violão, cavaquinho, bandolim, banjo e percussão.
        Desde 1919, quando surgiram os blocos, percebe-se semelhanças entre o choro e o frevo (Teles, 2021), gêneros musicais onde o cavaquinho traz a sua musicalidade e identidade nas suas construções rítmicas, melódicas, harmônicas e nas interações dos músicos. Observamos que devido a proximidade desses gêneros, os cavaquinistas que tocam o choro, tocam o frevo, criando um sotaque específico ao tocar esse instrumento, sua inserção nas rodas de choro, no carnaval e produções fonográficas brasileiras.
        Este trabalho investiga a atuação do cavaquinho no frevo pernambucano e a construção social da identidade cultural dos cavaquinistas. A partir da coleta de materiais diversos, como documentos e documentários, materiais jornalísticos e sonoros, bem como depoimentos. Com base nas contribuições teóricas de Stuart Hall, Márcia Taborda, Eric Hobsbawm e Canclini, analisamos como, dentro do marco temporal de 1984 até 2000, se configura, sob aspectos históricos no contexto da sociedade pernambucana, a construção identitária dos cavaquinistas que tocam frevo, influenciados pelas orquestras e nas interações com os outros músicos, desenvolvem uma performance com aspectos rítmicos, melódicos e harmônicos, criando um sotaque específico ao tocar o cavaquinho.
        A relevância destes marcos temporais se dá pelo fato de termos, neste período, o cavaquinho passando por um processo de mudanças nas suas formas de utilização, saindo dos desfiles de rua para os estúdios, como solista de frevos, na concepção do repertório e na prática desse instrumento no contexto da sociedade pernambucana.
        Basicamente, nossa pesquisa abrangeu o levantamento dos seguintes dados: 1) Pesquisa Online: coleta de jornais, artigos, fotos, livros, dissertações, teses e sites; 2) Pesquisa documental: documentos como partituras, fotos, jornais e outras fontes e materiais não publicados; 3) Pesquisa sonoro-documental: produção fonográfica com discos, CDs e fitas gravadas.
        Para o aprofundamento desta pesquisa, utilizou-se uma abordagem qualitativa, com revisão literária e análise sobre o que existe no meio acadêmico de periódicos, artigos, jornais, anais de eventos e livros, relacionados sobre música e identidade cultural, cavaquinho, choro e frevo. Esta temática está relacionada ao projeto de pesquisa " O Cavaquinho no Frevo: Um estudo sobre a atuação do cavaquinho no frevo no estado de Pernambuco", submetido ao programa de Pós-graduação em Música da UFPE.

        Palavras-chave: cavaquinho; frevo; Pernambuco; identidade

        Speaker: João Paulo Barbosa de Albertim
      • 7
        O forró político do bloco Pisa na Fulô: carnaval e posicionamento

        Na esteira do renascimento do Carnaval de Belo Horizonte, surgiu o primeiro bloco de forró do Brasil. Fundado em 2014, o Bloco Pisa na Fulô tem a proposta de trazer para as ruas da capital mineira a junção do carnaval com o forró, gênero musical menos presente na folia que outros ritmos como o samba e o axé. O Pisa, tal como outros blocos que encabeçaram esse renascimento, é um desdobramento do movimento por ocupação e revitalização do espaço público que trouxe para as avenidas e para as redes sociais pautas políticas como feminismo, LGBTQIA+fobia, preservação ambiental, anti racismo, etc. O forró do Pisa na Fulô nasceu político, inclusive incentivando a vacinação durante a pandemia e se colocando contra a reeleição da extrema-direita.
        Na época das eleições de 2022, em todos os shows de MPB que eu ia, os artistas declaravam seu voto e o público vibrava "fazendo o L". Porém, com exceção do Pisa, nos eventos de forró no Sudeste, a ausência de posicionamento me chamou a atenção. Para o historiador Carlo Ginzburg, as ausências são grandes indícios. Então comecei a me perguntar: por que o forró parece não se implicar em questões políticas e partidárias? Por mais que as letras falem de questões sociais, como o retirante, a seca e a pobreza, os representantes do forró historicamente não tiveram uma posição clara de enfrentamento ao status quo, nem de engajamento, como foi na MPB. Vale lembrar a querela entre Gonzaga e Gonzaguinha, na qual o filho, contrário ao golpe, cobrava um posicionamento mais firme do pai em relação à ditadura militar. Gonzaga tinha sido militar em 1930 e, ao longo dos anos, fez jingles políticos à esquerda ou à direita, apoiando quem estava no poder - e apesar disso, teve músicas proibidas e censuradas pela ditadura. Há quem diga que Gonzaga apoiou a ditadura, embora alguns biógrafos prefiram usar o termo “acomodado” ao invés de “colaboracionista” ou “reacionário” (OLIVEIRA e SANTOS, 2021, p.73). O “rei do baião” primava pela “incoerência e absoluta falta de consciência política”, diz uma biografia (DREYFUS, 1996, p. 261). Era alguém tradicionalmente associado aos governantes da ocasião, sempre com o objetivo paternalista de conseguir investimentos do governo para o Nordeste (OLIVEIRA e SANTOS, 2021, p.64). Da mesma forma, quando Sivuca volta pro Brasil em 1964, sua biógrafa diz que
        "Esse tipo de posicionamento musical, ao mesmo tempo engajado e confuso, não encontrava eco em Sivuca. Era pra ele impossível se identificar com as mais recentes reviravoltas que a música popular brasileira estava gestando" (BARRETO, 2011, p. 250)
        Será que podemos dizer que há uma acomodação política no forró pé de serra?
        Através da minha vivência como sanfoneiro do Pisa na Fulô, por meio da etnografia e da sociologia da música, falaremos das peculiaridades dessa fusão do forró, do carnaval e da política. Em seguida, com análise das letras e diálogo com outros estudos, a proposta deste trabalho é ser uma reflexão histórica do forró enquanto posicionamento.

        Speaker: Max Hebert Teixeira Silva (Mestrando em Artes - PPGARTES - UEMG)
      • 8
        Tradições de Boi no Sul do Brasil: Um Ensaio Etnomusicológico através dos Fluxos Culturais e Resistências Sócio-identitárias

        As manifestações culturais de Boi, associadas majoritariamente às regiões Norte e Nordeste do Brasil, configuram expressões complexas de identidade cultural e resistência social, contudo, sua presença em outras regiões, como no Rio Grande do Sul, desafia narrativas que limitam essas tradições a contextos regionais específicos. Este estudo apresenta um ensaio etnomusicológico sobre as práticas culturais associadas aos folguedos de Boi no Rio Grande do Sul, com foco no Bloco do Boi da cidade de São Jerônimo e no Bumba-Meu-Boi do município de Encruzilhada do Sul, investigando as dinâmicas históricas e sociais que moldaram essas manifestações no sul do país.
        A pesquisa parte de uma perspectiva multissituada, conforme define George Marcus, a fim de explorar os fluxos culturais intra e inter-regionais que conectam o Nordeste e o Sul do Brasil. Por meio de uma abordagem etnomusicológica, a pesquisa articula trabalho de campo, registro de narrativas orais e análise histórica, que serão utilizadas para identificar os modos de existência, resistência e transformação dessas manifestações, marginalizadas no imaginário cultural gaúcho. A identidade cultural brasileira é multiétnica, constituída, muitas vezes, por intercâmbios pouco visíveis ou propositalmente excluídos nesse permear intercultural. A relação afro-indígena-europeia deve ser compreendida a partir de “perspectivas transnacionais, transétnicas e interculturais” (Guerreiro, 2009, p. 3). Observando que “a amplitude da diáspora atlântica nos permite explorar as diversas dimensões das mesclas culturais” (Guerreiro, 2009, p. 4). O fato de haver tradições de Boi no RS com características afro-indígenas e nordestinas em cidades interioranas do Estado, demonstra como os trânsitos culturais estão presentes em todo o processo de desenvolvimento do Brasil. O Rio Grande do Sul, estado cuja identidade cultural é historicamente associada a um ideal eurocêntrico de “gauchidade”, apresenta tradições de Boi que desafiam essa construção hegemônica. Estas práticas revelam influências afro-indígenas que resistiram ao apagamento promovido por processos de gentrificação, racialização e exclusão em seus contextos históricos e sociais. O Bloco do Boi de São Jerônimo, com mais de 80 anos de tradição, e o Bumba-Meu-Boi de Encruzilhada do Sul, com aproximadamente 150 anos possuem raízes nordestinas e representam exemplos de resiliência cultural popular no Sul do Brasil.
        Ao destacar as interseções entre música, identidade, memória e aspectos socioculturais, este estudo, que está sendo realizado como uma pesquisa de doutorado, contribui para o debate sobre a diversidade das manifestações populares no Brasil. O trabalho posiciona as tradições de Boi no Rio Grande do Sul como parte de um campo dinâmico de significados culturais compartilhados, evidenciando a importância de uma etnomusicologia comprometida com a valorização de saberes locais e com a desconstrução de narrativas excludentes, evidenciando a interação entre pesquisadores e colaboradores em campo. A investigação reforça a importância de compreender os fluxos interculturais que conectam diferentes regiões do Brasil, assim, pretende-se não apenas ampliar o conhecimento sobre essas práticas culturais, mas também reforçar seu papel na construção de uma identidade social plural e inclusiva.

        Palavras-chave: Tradições Culturais de Boi no Brasil; Folguedos de Boi no Rio Grande do Sul; Interculturalidade de Boi no Brasil; Fluxos interculturais

        Speaker: Mrs Stefania Johnson Colombo (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
      • 9
        Reluzindo a ciranda: prosas musicais com mestras e mestres de Pernambuco e da Paraíba

        Esse trabalho pretende documentar e explorar o universo da tradição musical da ciranda a partir de encontros realizados com pessoas ligadas a essa manifestação em Pernambuco e na Paraíba. Num primeiro momento, esses encontros foram transmitidos ao vivo e estão registrados no youtube no formato de “prosas musicais”. Essa ideia surgiu durante a pandemia para denominar e divulgar as entrevistas feitas ao vivo com Lia de Itamaracá (Pernambuco), com as mestras Tina e Penha Cirandeira (Paraíba), com mestre cirandeiros da região da Mata Norte - mestre Bi, Josivaldo Caboclo e Ricco Serafim (Pernambuco) - e com as irmãs Baracho - Dulce e Severina (Pernambuco). Ainda teria entrevista com o mestre Anderson Miguel (Pernambuco) que, por conta da instabilidade de sinal de internet, não pôde acontecer. A conversa mais preciosa, no entanto, veio depois numa edição extra, quando conseguimos o contato com Dona Duda, a mãe da ciranda (Pernambuco), já com bastante idade e veio a falecer um pouco depois da entrevista. As prosas musicais tiveram cerca de uma hora e meia cada uma e alternavam entre conversas com perguntas estruturadas e um roteiro musical. Para a preparação delas, houve muita pesquisa, ensaios e trocas anteriores com as mestras e mestres. Além do conhecimento compartilhado pelas mestras e mestres, era apresentado uma ou mais versões das melodias que as/os entrevistadas/os representam na panela de mão, instrumento musical mais conhecido como handpan. Para algumas delas, foi possível ensaiar e tocar juntos (mesmo de forma online), misturando esse instrumento com as/os mestras/es cantando ou tocando os instrumentos tradicionais da ciranda. Essas entrevistas foram desdobramento do projeto “RELUZ: o encontro da panela de mão com a realeza da música brasileira”, na qual a música e clipe de estreia foi com Lia de Itamaracá, a rainha da ciranda, e As Filhas de Baracho, o rei sem coroa. O projeto RELUZ, por sua vez, deu origem ao projeto de mestrado profissional na UNIRIO chamado “PANELA DE MÃO, o handpan brasileiro” que apresentou como produto o site www.panelademao.com.O trabalho que será apresentado no II Encontro de Musicologia pretende partir dessas prosas musicais. Além de apresentar as entrevistas transcritas, pretende explorar o universo da ciranda dialogando com o dossiê do IPHAN produzido em 2013 e de outras pesquisas feitas sobre essa tradição. Pretende-se ainda fazer novos encontros, dessa vez presenciais, com as mestras e mestres, como por exemplo o “Encontro de Mestres e Mestras da Ciranda - Uma Homenagem a João Limoeiro, Patrimônio Vivo de Pernambuco 2024”, que ocorrerá no dia 29 de dezembro em Nazaré da Mata. A partir do convite de Ricco Serafim - cirandeiro, produtor de mestre Bi e representante da Associação de Cirandeiros de Pernambuco -, serão feitas entrevistas nessa ocasião. Também estão previstos encontros com as/os outras/os mestras/es durante o primeiro semestre de 2025.

        Playlist do youtube com as prosas musicais:
        https://youtube.com/playlist?list=PLRl89KpQDx7q-_2FoOob7aJZECw6zRxlj&si=AzQkCfsoOno68696

        Palavras-chaves: ciranda; mestras e mestres; prosas musicais; panela de mão.

        Speaker: Felipe Reznik (UNIRIO)
    • Comunicações: Comunicações 3
      • 10
        A influência de orientações técnico-interpretativas na performance coletiva da música armorial

        Ariano Suassuna idealizou o Movimento Armorial em diferentes formas de expressividade artística, sendo o folheto de cordel responsável pela conexão entre as várias vertentes do movimento, a exemplo da literatura, música, teatro e artes plásticas. Ele propôs um programa de pesquisa pioneiro, com objetivo de honrar o legado da arte nordestina brasileira. A Música Armorial propõe uma integração entre as tradições populares nordestinas e elementos característicos da música erudita. Em suas características desenvolve uma sonoridade que remete à vida sertaneja nordestina, marcada por um timbre áspero, a utilização do modo mixolídio, o emprego de terças paralelas, a ênfase em tempos fracos e a presença constante de síncopes. Este trabalho tem o objetivo de demonstrar a influência de orientações técnicas e interpretativas realizadas por Antonio Madureira, Edilson Eulálio e Antonio Nóbrega na performance das músicas Toré, Aralume e Toada e Desafio, adaptadas à prática coletiva de violão pela Camerata Ágio Moreira de Violões. Utilizando pesquisa documental e entrevistas semiestruturadas, nos concentraremos nas orientações relacionadas à técnica em violão, especificamente na mão direita, mão esquerda, formato e polimento das unhas; e aos aspectos interpretativos em dinâmica musical, articulação, acentuação e ornamentação. A hipótese central estima que procedimentos técnicos e interpretativos informados pelas orientações dos expoentes do Movimento Armorial influenciem diretamente na interpretação voltada à estética Armorial das músicas Toré, Aralume e Toada e Desafio. Assim corrobora Aloan (2008), ao expor que foi necessário um trabalho de ajuste nos aspectos timbrísticos e organológicos para que, por meio de uma estruturação estética, a música armorial alcançasse os seus propósitos originais. Por conseguinte, a qualidade essencial de toda performance é, segundo Zumthor (2005), a “reiterabilidade não redundante”, ou seja, uma repetição que segue as regras estabelecidas por um texto, mas que se adapta às variáveis imprevisíveis presentes na execução. Desta forma, o presente trabalho considera que, embora a performance seja naturalmente um fenômeno único, decisões técnico interpretativas alteram significativamente a performance e podem guiar um coletivo, especificamente o grupo de violões objeto dessa pesquisa. Este estudo, que parte de uma dissertação de mestrado em andamento, busca não apenas ampliar o conhecimento sobre a música armorial e sua interpretação, mas também valorizar as contribuições dos principais expoentes do referido movimento para o desenvolvimento de repertórios e técnicas aplicáveis a grupos de violão.

        Speaker: Isaac Helder Alves Silva (Universidade Federal de São João del-Rei)
      • 11
        Análise gestáltica da obra Ponta-de-Pedras da Suíte das águas paraibucanas (2016) de Beethoven Cunha (1978) sob a perspectiva das influências da Movimento Armorial

        O presente artigo investiga, identifica e mapeia, a partir do uso da Teoria da Gestalt, as influências de características do Movimento Armorial presentes na obra para piano Ponta-de-Pedras da Suíte das águas paraibucanas do compositor contemporâneo brasileiro Beetholven Cunha (1978), com o objetivo de auxiliar de que forma essas influências podem ser salientadas na prática interpretativa. Cunha possui influências da Música Armorial, conceito que, conforme afirma Nóbrega (2007), idealizava a inserção da cultura popular nordestina dentro da chamada “Arte erudita” e se utilizava do recurso da adaptação timbrística entre os instrumentos típicos dessas manifestações aos instrumentos tradicionais da tradição eurocêntrica.Santos (2017) sugere que o que se observa atualmente a respeito do movimento se definiria como a presença de “Ecos Armoriais”. Beetholven Cunha não se identifica como um compositor exclusivamente armorial e afirma que a influência do movimento em sua obra ocorre “de maneira natural e espontânea, sendo inclusive mesclada com outras características próprias de sua formação e de suas vivências”(CUNHA, 2024).
        Ainda que o Movimento Armorial não tenha incluído o piano em sua origem, é possível identificar importantes elementos do movimento na escrita pianística. Utilizando o trabalho Música Armorial da pesquisadora Ariana Perazzo da Nóbrega como referencial teórico, é possível identificar tais características adaptadas ao repertório pianístico: uso do modalismo; presença de melodias curtas com repetição de fragmentos; uso da “nota rebatida” (semicolcheias ligadas de duas em duas); deslocamento de acentos; forte reincidência de semicolcheias; figuras rítmicas anacrústicas e acéfalas; uso da nota pedal; presença de ostinatos e a busca de um timbre estridente e percussivo (Nóbrega, 2007).
        Como procedimentos metodológicos, foi realizada uma Pesquisa Histórica acerca das raízes culturais do Movimento Armorial bem como a posterior análise da transposição de elementos culturais, presentes nessa manifestação cultural, para o repertório pianístico. Foi utilizada como ferramenta analítica a Teoria da Gestalt, teoria advinda da Psicologia Experimental no início do século XX.
        A Teoria da Gestalt dedica-se ao estudo da percepção da forma, possibilitando o entendimento estrutural do objeto a partir do todo, gerando uma conexão organizada entre os elementos. Seus princípios básicos são: Unidade, Segregação, Unificação, Fechamento, Continuidade, Semelhança, Proximidade e Pregnância da Forma (FIORINI; MORAIS, 2018). A aplicação dos princípios gestálticos na música se dá através da identificação das relações de textura, densidade, timbre, dinâmica, melodia, ritmo, harmonias e motivos e podem ser aplicados em qualquer tipo de música, pois independe de questões estéticas, históricas e extramusicais (FALCÓN, 2011, p. 50).
        Conclui-se que a busca pelas raízes culturais nordestinas presentes na obra em questão corrobora com o conceito de “Ecos armoriais” presentes na contemporaneidade. A partir do uso de princípios da Teoria da Gestalt, esses elementos foram identificados para, assim, auxiliar na concepção performática e no realce das características armoriais, a partir de indicações de execução que nem sempre estão grafadas na partitura. Espera-se que esse estudo contribua para futuras pesquisas sobre o assunto e traga sugestões e apontamentos para a performance pianística a partir do viés etnomusicológico e idiomático presentes dentro da manifestação culturais regionais e folclóricas.

        Palavras - chave: Musicologia Histórica; Música Nordestina; Movimento Armorial; Teoria da Gestalt.

        Speakers: Mr Filipe Lopes Vaz (Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - Unesp), Mrs Regina Amaral (UNESP/ Unioeste)
      • 12
        Na Estrada das Areias de Ouro: reflexos do ciclo aurífero (e sua decadência) na canção de Elomar Figueira Mello

        Compositor de um importante cancioneiro, Elomar Figueira Mello (1937-) tematiza em sua obra a vida do catingueiro, tendo por recorte geográfico o Sertão da Ressaca, região cuja formação histórica remonta aos contextos do ciclo do gado e do ouro no século XVIII, sendo ela uma zona de intersecção entre duas áreas de intensa exploração aurífera: as Minas Gerais e a Chapada Diamantina. Natural de Vitória da Conquista-BA, Elomar descende diretamente do sertanista João Gonçalves da Costa, principal agente nos processos de fundação da cidade e desbravamento do Sertão da Ressaca. Os reflexos desse extenso processo histórico e o imaginário coletivo que o envolve encontram-se representados em suas canções, seja através do tropeirismo e do resgate da história de algumas de suas figuras regionais (como o Tropeiro Gonsalin e Quilimero), seja pela referência a mitos e lendas que envolvem a exploração de ouro nas regiões circunvizinhas. Exemplo deste segundo caso é a canção Na Estrada das Areias de Ouro, do álbum Das Barrancas do Rio Gavião (1973). Nela o eu-lírico conta histórias por ele ouvidas sobre uma “Sinhazinha” cuja alma “encantada” vaga por estradas de areias de ouro, guardando o ouro de seu pai, antigo senhor de engenho.
        Partindo dessa canção, investigamos como o processo de formação histórica do Sertão da Ressaca no contexto do ciclo do ouro se reflete no imaginário expresso no cancioneiro de Elomar. Para tanto, experimentamos analisar elementos tanto literários como musicais da canção por meios semelhantes àqueles utilizados por Lévi-Strauss em sua análise estrutural de mitos (2017[1958]; 2004[1964]; 2011[1971]). Com isso, notamos como Sinhazinha ocupa, na canção, uma função mediadora entre a escassez (do Sertão e dos dias atuais) e a riqueza (do ouro e de um passado remoto). A obra expõe de partida uma imagem (as “areias de ouro”) conciliadora da oposição entre a areia (símbolo da aridez) e o ouro (riqueza); apresenta as mulheres dos antigos fidalgos como ricas, mas como subordinadas (elas são listadas entre suas posses, junto às riquezas e aos escravizados); apresenta Sinhazinha como mediadora entre um passado rico (em que ela viveu) e o presente escasso (em que ela vaga “encantada”); e associa-a precisamente às areias de ouro (por onde ela vaga). Em um plano musical, é notável: como as “areias de ouro” são recorrentemente associadas a um acorde não triádico, que concilia a tríade tônica (Mi maior) com seu II grau (Fá# e sua quinta, Dó#, no registro mais grave); e como as modulações de Mi maior para Sol# menor são introduzidas sempre por um acorde de Mi menor, ao mesmo tempo remoto (pois não é uma tríade do campo de Sol# menor) e presente (pois, enarmonizado o Sol como Fá, todas as suas notas encontram-se na menor harmônica de Sol#). Constatamos, assim, como aspectos da história do Sertão da Ressaca ganham expressão, em Elomar, em uma profusão de imagens distintas (e nem sempre óbvias) e como traços intrinsecamente musicais da canção parecem espelhar o mitismo que faz de sua obra tamanha riqueza do sertão contemporâneo.

        Palavras-chave: Elomar Figueira Mello; Canção; Análise estrutural; Sertão da Ressaca; Ciclo do ouro.

        Speakers: Mr Frederick Moraes, Luís Antônio Santos Vilalva (IA/UNICAMP)
      • 13
        A cidade em Salvador, de Egberto Gismonti

        Este estudo investiga as paisagens sonoras na peça Salvador, de Egberto Gismonti, a partir da análise comparativa de cinco gravações lançadas entre os anos 1969 e 1989, explorando as relações entre a obra e seus contextos culturais. A abordagem metodológica integra três perspectivas: as paisagens sonoras (Schafer, 1977; Truax, 2001), tópicos musicais (Salles,2016) e teoria dos gestos musicais (Hatten, 2004). Lançada em 1969, Salvador surge na discografia de Egberto Gismonti, a partir da influência dos afro-sambas do guitarrista e compositor brasileiro Baden Powell (1937-2000). Apesar de a peça apresentar diferentes formações instrumentais, nos cinco fonogramas aqui analisados o violão, por vezes de seis, oito ou dez cordas, mantém-se como protagonista na condução do discurso musical.
        Neste trabalho, também se faz necessário observar o processo de reelaboração composicional ocorrido na obra ao longo de vinte anos. Acreditamos que este tipo de transformação pode auxiliar na identificação de elementos musicais significativos para a constituição da peça, assim como os contextos, para além dos sons, que foram determinantes para a criação. No intuito de compreender acerca das relações existentes entre a música e os diversos tipos de espaços e ambientes que nos cercam, ou que vivenciamos, adotamos uma perspectiva que, conforme Ingold (2011), aponta o som como um meio para a nossa percepção, considerando o potencial comunicativo que este pode ter, especialmente se relacionado a um sujeito, a um espaço físico e à uma comunidade onde se insere. Buscamos interrelacionar conceitos a partir da identificação de tópicas afro-brasileiras presentes na estrutura musical, especificamente as tópicas canto de xangô e berimbau, que, juntamente com a presença do samba, em Salvador, caracterizam-se a partir da performance ao violão. Analisamos as tópicas e as construções de paisagens sonoras considerando as suas características gerais, a forma como se inserem na música e as diferentes relações com os contextos socioculturais. Com base na análise podemos ter, hierarquicamente, em termos de uma perspectiva mais ampla para uma mais específica, três âmbitos de representação: o samba, caracterizando o âmbito nacional; a tópica canto de xangô, referenciando a cultura afro-brasileira; e a tópica berimbau, aludindo à capoeira, uma manifestação específica que integra esta cultura. Portanto, a partir da audição dos fonogramas, análise musical e de entrevistas concedidas por Gismonti, identificamos, contextualizamos e discutimos as diferentes formas de representação de ambientes sonoros que, de algum modo, fazem referência a manifestações da cultura afro-brasileira representativas da cidade de Salvador e da cultura da Região Nordeste do Brasil.

        Palavras-chave: paisagens sonoras; tópicas afro-brasileiras; Egberto Gismonti; Salvador.

        Speaker: Rafael Lopes dos Santos
    • Comunicações: Comunicações 4
      Convener: Prof. LEANDRO MONTOVANI DA ROSA (Universidade Federal de Pernambuco (UFPE))
      • 14
        Músicos migrantes nordestinos e sua participação na criação e consolidação do Centro Musical do Rio de Janeiro (1907-1936)

        Entre os anos de 1907 e 1941, o deslocamento de músicos nordestinos para o Rio de Janeiro foi uma parte significativa do fluxo migratório de artistas que, provavelmente, buscavam melhores oportunidades de trabalho e desenvolvimento artístico na capital brasileira. Com base nas Fichas de Matrícula encontradas no fundo documental do Sindicato dos Músicos do Estado do Rio de Janeiro, foi possível identificar nesse período 294 músicos filiados como Fundadores ou Contribuintes do Centro Musical do Rio de Janeiro (CMRJ), instituição que em 1941 viria a se tornar Syndicato de Músicos Profissionaes do Rio de Janeiro, hoje Sindicato dos Músicos do Estado do Rio de Janeiro. Desses 294 músicos, 225 eram brasileiros, e destes, aproximadamente 13% tinham suas origens na região Nordeste do país. De acordo com as Fichas, os estados de Pernambuco, Bahia, Alagoas, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Sergipe e Maranhão foram as origens desses músicos nordestinos que se deslocaram para o Rio de Janeiro, com destaque para Pernambuco e Bahia, que juntos enviaram a maior parte desses artistas. Vale destacar que, entre os nomes encontrados nas Fichas de Matrícula, apenas uma mulher foi registrada: a cantora Maria Antonietta Rodrigues de Oliveira, natural da Bahia. Observamos ainda o músico pernambucano Pedro de Assis como um dos sócios fundadores do Centro Musical do Rio de Janeiro, instituição que se destaca como uma das primeiras a buscar a regulamentação do trabalho musical no Brasil.
        Em outro tipo de documento pertencente ao mesmo fundo, as Propostas de Admissão ao CMRJ, encontramos um total de 120 músicos oriundos da região nordeste no mesmo período, contemplando todos os Estados nordestinos com exceção do Piauí. Desses, temos, a exemplo das Fichas de Matrícula, uma minoria feminina e um destaque para os estados de Pernambuco e Bahia. Por meio desses documentos pudemos observar os instrumentos musicais declarados por cada músico como seu instrumento de trabalho, e o ano de 1933 como o de maior incidência da busca de músicos nordestinos pela filiação ao Centro Musical.
        É possível inferir que o fenômeno migratório dos músicos nordestinos para o Rio de Janeiro reflete não apenas o dinamismo cultural da capital fluminense, mas também as dificuldades enfrentadas nas regiões de origem desses músicos, que, possivelmente, buscavam no sudeste melhores condições de vida e trabalho. A cidade do Rio de Janeiro, sendo um importante polo cultural, concentrava as principais oportunidades para músicos profissionais, especialmente em atividades ligadas ao teatro de revista, ao rádio e às gravadoras que começavam a se estabelecer.
        A presente proposta busca, a partir das Fichas de Matrícula e das Proposta de Admissão ao Centro Musical do Rio de Janeiro, documentos oriundos do fundo documental do Sindicato dos Músicos do Estado do Rio de Janeiro, apresentar vestígios da atuação musical de músicos migrantes nordestinos junto ao CMRJ e, supostamente, na vida cultural fluminense.

        Speaker: Luciana Requião (Universidade Federal Fluminense)
      • 16
        Música ludovicense no século XIX: uma análise da música através dos jornais maranhenses (1821-1850)

        Este artigo investiga as manifestações musicais em São Luís do Maranhão durante o século XIX, com foco no período de 1821 a 1850, a partir da análise de registros em periódicos históricos. A pesquisa busca compreender como a música não apenas refletia, mas também influenciava as dinâmicas sociais, políticas e culturais da época. O estudo enfatiza a diversidade das práticas musicais na província, as conexões inter-regionais e os impactos das transformações políticas e econômicas na cultura musical local.
        Utilizando fontes primárias, como anúncios, críticas e reportagens de jornais da época, além de documentos legais e relatos de viajantes, o trabalho identifica eventos significativos relacionados à música. Essas manifestações incluem celebrações religiosas, cívicas e militares, bem como apresentações em espaços públicos e privados. A pesquisa destaca a interação entre práticas europeias, afrodescendentes e indígenas, que moldaram um panorama musical plural e sincrético.
        Instituições como o Teatro União, inaugurado em 1817, e a imprensa local são analisadas como agentes centrais na difusão cultural e na preservação do patrimônio musical maranhense. O artigo também examina o papel essencial dos músicos afrodescendentes e escravizados, cuja contribuição foi fundamental para a vida musical da cidade, apesar das limitações impostas pela sociedade colonial.
        A análise revela a prevalência da música sacra nos cenários religiosos e públicos, enquanto as bandas militares desempenhavam um papel significativo em eventos cívicos. A interação com companhias líricas estrangeiras e músicos itinerantes evidencia um diálogo cultural entre São Luís e outros centros musicais do Brasil e do exterior, ampliando a relevância da cidade no contexto musical oitocentista.
        A partir de uma abordagem interdisciplinar, este artigo oferece uma nova perspectiva sobre a história musical ludovicense, preenchendo lacunas na historiografia da música no Maranhão. A sistematização dos dados evidencia como a música refletia as dinâmicas de poder, as identidades sociais e as interações culturais, além de contribuir para a preservação e valorização do patrimônio musical regional.

        Palavras-chave: Musicologia histórica, Música no Maranhão, Jornais históricos.

        Speaker: Mr Daniel Ferreira Santos (Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" - Unesp)
    • 10:30
      Intervalo
    • Palestras: Paulo Castagna -UNESP
    • 12:00
      Almoço
    • Apresentação musical: Quinteto Capibaribe Instituto Ricardo Brennand

      Instituto Ricardo Brennand

    • Mesas: "Arquivos Brasileiros e suas Relações com as Práticas Musicais Nordestinas"
    • 16:00
      Intervalo
    • Comunicações: Comunicações 5
      • 17
        Manuscritos Musicais do Século XIX no Maranhão: Uma Investigação Arquivística no Acervo João Mohana

        O presente artigo propõe uma investigação sobre os manuscritos musicais do século XIX presentes no Acervo João Mohana, custodiado pelo Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM). O objetivo central da pesquisa é identificar, por meio de metodologias arquivísticas e musicológicas, quais documentos do acervo podem ter sido produzidos e executados exclusivamente durante o século XIX. Partindo da análise de mais de 2.000 fontes musicais que abrangem missas, danças de salão, repertórios para bandas e obras camerísticas, o estudo busca contribuir para o entendimento das práticas musicais no Maranhão no contexto oitocentista.
        A pesquisa utiliza uma abordagem interdisciplinar, combinando análise diplomática (Grier, 1996; Figueiredo, 2014) e estudos de proveniência documental (Ávila, 2021; Castagna, 2016). Serão analisados elementos como marcas d’água, caligrafia, assinaturas e contextos históricos presentes nos manuscritos, a fim de situá-los temporalmente e compreender suas trajetórias de produção e circulação. Além disso, a investigação discutirá as implicações do colecionismo realizado por João Mohana, cuja unificação de documentos provenientes de diferentes origens oferece desafios e oportunidades para a análise.
        O estudo pretende investigar como os manuscritos do acervo refletem a influência da música sacra europeia na formação musical do Maranhão no século XIX. A pesquisa busca identificar os traços dessas práticas musicais e sua inserção nas celebrações religiosas, cívicas e sociais da época. Além disso, o trabalho visa compreender os possíveis diálogos culturais entre o Maranhão e outros centros musicais do Brasil e do exterior, destacando as conexões inter-regionais que contribuíram para moldar as práticas musicais do período.
        Ao delinear a relevância do Acervo João Mohana para a historiografia musical brasileira, o artigo reforça a importância de integrar arquivologia e musicologia na análise de acervos musicais. Espera-se que esta pesquisa amplie o entendimento das práticas musicais do século XIX no Maranhão, promovendo novos diálogos sobre o patrimônio cultural do Nordeste brasileiro e sua inserção no contexto nacional.

        Palavras-chave: Acervo João Mohana; Música no Maranhão; manuscritos musicais; século XIX; arquivologia musical; musicologia histórica.

        Speakers: Mr Daniel Ferreira Santos (Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - Unesp), Regina Amaral (UNESP/ Unioeste)
      • 18
        As investigações e o arquivo de Jaime Diniz: considerações sobre uma musicologia a partir de fragmentos

        Neste texto, são discutidos aspectos do trabalho investigativo e documental do musicólogo Jaime Diniz. O nosso objetivo é averiguar se e sob que limites podemos considerá-lo exemplo representativo de (e também recurso para) uma musicologia feita a partir de fragmentos (Cf. Lucas, 2000; Blanco, 2007). Para cumprir esse propósito, articulamos referenciais ligados à micro-história e seus usos e implicações possíveis no campo da pesquisa musicológica à luz de alguns dos princípios e regras metodológicas apresentadas por Bruno Latour em seu estudo sobre a Ciência em ação (2011). Esperamos, com isso, construir um aparato crítico que ajude a refletir sobre os manuscritos musicológicos do Acervo Padre Jaime Diniz como recursos em potencial para o desenvolvimento da musicologia local e regional nos dias atuais, consideradas as suas diversas conexões possíveis com outras redes de informação de interesse musicológico. É possível afirmar o caráter ainda hoje disperso e fragmentário das fontes para a investigação histórico-musical em Pernambuco e na Bahia, por exemplo, e na região Nordeste em geral, sobretudo ao recuarmos as análises para o século XVIII ou mesmo para inícios do XIX. Diniz trabalhava consciente de tais limitações documentais. Parte do seu arquivo, que consiste em fichas, cadernos e pastas com diversos materiais e apontamentos de pesquisa, indica uma disposição no sentido de enfrentar essas limitações com os recursos intelectuais e sociais de que dispunha. O escrutínio dessa documentação musicológica possibilitará: 1) recuperar, estabelecer e estruturar redes de relações informacionais sobre músicos cujas trajetórias e sociabilidades vinham sendo estudadas pelo musicólogo e; 2) conduzir a uma reflexão sobre as condições objetivas e caminhos metodológicos percorridos por ele enquanto construía um repertório documental subsidiário às suas pesquisas (e a outras futuras) – passo importante para a construção de histórias da musicologia no Brasil. Na esteira desses dois escopos complementares, o presente trabalho se realiza na interface entre as pesquisas em andamento dos seus autores, ambas hoje formalizadas em cursos de doutorado, cujos objetivos são: a) compreender o ofício da música e as alteridades sonoro-musicais em Pernambuco ao longo do setecentos a partir de um reestudo de fontes documentais (Oliveira) e; b) historicizar as práticas de pesquisa de Jaime Diniz relacionadas ao seu propósito de publicação de um quarto volume da obra Músicos Pernambucanos do Passado (Marques). Acreditamos que estudos históricos sobre musicólogas e musicólogos que emergem e atuam em contextos social e cientificamente periféricos e sobre suas redes, inclinações, escolhas e práticas investigativas, aliados a ações de preservação, processamento técnico e acessibilização dos acervos musicais de maneira integrada, abrem caminhos para formularmos interpretações científicas menos assimétricas e enviesadas e mais respeitosas, inclusivas e conectadas com a diversidade cultural e musical que caracteriza o país.

        Palavras-chave: Musicologia de fragmentos; Práticas de investigação musicológica; Documentação musicológica; Diniz, Jaime Cavalcanti, 1924-1989; Acervo Padre Jaime Diniz.

        Speakers: Gilson Rodrigues Chacon de Oliveira (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Wheldson Rodrigues Marques (Universidade Federal da Paraíba)
      • 19
        Ofício de honrado procedimento: Luiz Alvares Pinto e o ofício da música ao longo do século XVIII em Recife e Olinda

        Partindo de uma abordagem etnomusicológica e interdisciplinar do passado histórico, propomos, a partir de um reestudo de fontes documentais e bibliográficas referentes à trajetória e às redes de relações (Lucas, 1998) do músico Luiz Alvares Pinto (ca.1719-ca.1791), compreender o exercício do ofício da música em Recife e Olinda ao longo do setecentos. A escolha da temática é um recorte da minha pesquisa de doutorado, em andamento, “Ofício de honrado procedimento? Compreendendo o exercício do ofício da música e das alteridades sonoro-musicais em Recife e Olinda ao longo dos setecentos”, na qual proponho compreender, a partir das trajetórias dos músicos e de suas redes clientelares (Xavier; Hespanha, 1998), o exercício laboral do ofício da música ao longo do século XVIII em Pernambuco. No decorrer de nossas pesquisas, ao levarmos em consideração principalmente a análise de fontes extra-musicais, constatamos uma considerável quantidade de músicos com significativo capital musical atuando em Recife e Olinda, alguns desses passando atuar na metrópole portuguesa. As trajetórias desses músicos possibilitam compreender as práticas sociais e estratégias de projeção através do seu ofício, bem como apontam caminhos para compreendermos a posicionalidade desses músicos e de suas gerações em uma sociedade hierarquizada e escravista, mas também imersa em “práticas locais costumeiras” (Fragoso, 2010) e, no caso de Luiz Alvares Pinto, no seu contexto social, em busca de uma afirmação parda. As fontes documentais para a pesquisa são principalmente as contribuições das transcrições musicológicas e publicações do Pe. Jaime Diniz depositadas na Biblioteca José Antônio Gonsalves de Mello do Instituto Ricardo Brennand, complementadas com documentos localizados através de nossa prospecção no Arquivo Histórico Ultramarino e na Torre do Tombo, além dos documentos do Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano e de alguns livros de irmandades do Recife, depositados no Arquivo Dom José Lamartine Soares, da Cúria de Olinda e Recife. Apesar do desafio decorrente da dispersão e fragmentação das fontes, o tecer das trajetórias e de suas redes de relações, das quais apresentaremos o exemplo de Luiz Alvares Pinto, possibilitou compreendermos o exercício profissional e as singularidades do exercício desse ofício em Recife e Olinda ao longo do século XVIII e como esse capital musical foi transmitido ao longo das gerações.

        Palavras-chave: Ofício da música; Luiz Alvares Pinto; Redes de relações; Recife e Olinda; Século XVIII.

        Speaker: Gilson Rodrigues Chacon de Oliveira (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
    • Palestras: Luciana Câmara - UFPE
    • 10:15
      Intervalo
    • Comunicações: Comunicações 6
      • 20
        O Cavaquinho pernambucano de Nelson Miranda

        Com o objetivo de realizar uma revisão da biografia musical do compositor e intérprete pernambucano Nelson Bezerra de Miranda (1910 - 1964), esta comunicação aborda temas relacionados a sua carreira artística, contextualizados com o momento histórico vivido pelo músico. A partir do cruzamento de informações coletadas nos acervos do Arquivo Nacional do Brasil, Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional, Arquivo Nirez, Memória do Cavaquinho Brasileiro e FamilySearch, busquei contribuir com questões pouco abordadas sobre a trajetória de um artista que, apesar de ser pouco conhecido atualmente, teve destaque em sua carreira e fez parte do desenvolvimento da história do cavaquinho no Brasil. Cavaquinista e bandolinista, Nelson Miranda foi o caçula de uma família de músicos, onde seus pais, irmãs e irmãos tocavam algum instrumento musical. Entretanto, no seu núcleo familiar apenas os homens se profissionalizaram como músicos, algo comum para a época. De seus irmãos, os que se destacaram foram: João Miranda (bandolinista), Romualdo Miranda (violonista) e Luperce Miranda, que além de ser reconhecido como um exímio bandolinista, executava outros instrumentos como cavaquinho, violão, guitarra portuguesa, por exemplo. Em sua trajetória musical, Nelson Miranda atuou como solista e centrista (acompanhador) de cavaquinho utilizando uma afinação em quintas (sol - ré - lá – mi, do grave para o agudo) tal como no bandolim, instrumento que também executava, e gravou algumas de suas obras musicais. Vale destacar que sua carreira artística se desenvolveu em um período que ficou conhecido como a “Era do Rádio”, momento histórico em que este meio de comunicação passou por importantes transformações, sendo o principal veículo de informação, arte e entretenimento da época. Nelson Miranda fez parte do elenco artístico de várias emissoras de rádio, tanto no Recife como no Rio de Janeiro. Gravou mais de uma dezena de discos de 78 rotações, interpretando músicas autorais e de outros autores. Como compositor, atuou em gêneros musicais como choro, bolero, valsa, arrasta-pé, rancheira, samba, baião etc. No início da década de 1930 seu nome já figurava nos jornais do Recife como parte da programação da PRA-8 Rádio Clube de Pernambuco. No ano de 1937, Nelson atuava como “cavaquinho centro” no Regional de Pereira Filho na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, sendo considerado, na época, um dos melhores músicos do seguimento em todo Brasil. Antes mesmo de se lançar em disco como solista interpretando suas músicas, teve o seu choro “Divagando”, composto em parceria com o violonista Luís Bittencourt, gravado por Emilinha Borba no ano de 1945. Em 1964, Nelson Miranda encerrou sua trajetória artística de forma prematura, aos 54 anos, vítima de um homicídio na cidade de Recife, em Pernambuco. A partir das informações levantadas nesta investigação foi possível compreender como se desenvolveu a carreira do músico pernambucano Nelson Miranda, e realizar reflexões sobre a prática e história do seu principal instrumento musical, o cavaquinho, no período histórico abordado.

        Palavras-chave: cavaquinho; bandolim; música brasileira; era do rádio.

        Speaker: Pedro Cantalice (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
      • 21
        140 anos de João Pernambuco (1883-1947): memória, legado e visibilidade de sua obra

        Em 2023 celebramos a memória dos 140 anos do nascimento do violonista e compositor João Teixeira Guimarães (1883-1947), mais conhecido pelo seu nome artístico João Pernambuco. Natural de Jatobá (Petrolândia-PE), o compositor de Sons de Carrilhões foi um nortista (termo empregado no começo do século XX para designar o indivíduo proveniente das regiões ao norte do país) que vivenciou a experiência e os efeitos da desterritorialização. Assim como muitos de seus conterrâneos, João compôs o fluxo migratório daqueles que tinham o sonho de almejar na antiga capital do país uma oportunidade nova e melhor de vida. Fruto de uma rica tradição cultural, a identidade musical de João foi sendo forjada a partir das muitas relações que se estabeleceram no tempo, e que de certa forma foram representadas nas trocas herdadas, com contornos emblemáticos traduzidos em sua obra. Juntamente com outros ícones que pertencem ao panteão do violão brasileiro, a obra de João Pernambuco expressa um estilo próprio e representativo da música urbana fluminense, como também promoveu em seus regionais a cultura nortista muito admirada nos versos de teor sertanejo, como Luar do Sertão. Para além de recordar a presença artística do compositor, projetada a partir da cena musical fluminense, este artigo tem por objetivo promover a memória e a visibilidade da produção musical de João Pernambuco ao apresentar os resultados preliminares de uma pesquisa de mapeamento musical ainda em andamento. Metodologicamente, o mapeamento partiu da comparação e compilação dos levantamentos de obras atribuídas ao compositor que estão publicadas em sites dedicados a promover a história do violão. A partir disso, considerando a tipologia de produtos vinculados ao compositor, estabelecemos algumas categorias para visualizar a dimensão da produção e circulação da obra de João Pernambuco no mercado musical fluminense entre as décadas de 1910 e 1940. Desse modo, destacam-se: 1) repertório editado e comercializado em música impressa (adaptação para solo; arranjo de canções); 2) repertório com algum nível de editoria, porém não comercializado (periódico especializado, manuscrito ou pesquisa acadêmica); 3) repertório gravado na discografia de 78 rpm. No que tange aos produtos musicográficos que adquiriram algum nível de formato mercadológico, levamos em consideração os anúncios de obras que compuseram os catálogos de música impressa de estabelecimentos do comércio musical fluminense. Nesse sentido, a consulta aos jornais e periódicos especializados depositados na Hemeroteca Digital foram imprescindíveis para destacar o processo de busca por produtos impressos associados ao compositor. Cientes do volume de títulos, estendemos a busca ao acervo de partituras e discos em 78 rpm da Divisão de Música e Arquivo Sonoro (DIMAS) da Biblioteca Nacional. No que diz respeito ao mapeamento discográfico ampliamos a consulta ao Youtube considerando as publicações de canais de colecionadores especializados na recuperação e digitalização do acervo musical brasileiro gravado em 78 rpm. Posto isso, esta pesquisa de mapeamento sobre a produção musical de João Pernambuco reúne atualmente dados sobre 105 obras do compositor considerando a memória e a visibilidade do seu legado ao patrimônio musical brasileiro.

        Speaker: Dr Jose Jarbas Pinheiro Ruas Junior (Universidade Federal do Norte do Tocantins)
      • 22
        No meu tempo era assim: vida, obra e trajetória musical do bandolinista Rossini Ferreira

        Esta comunicação tem como objetivo abordar aspectos da vida, obra e trajetória musical de Rossini Ferreira (1919-2000). Ela é produto de uma pesquisa, ainda em andamento, que tem como objetivo principal a produção de um novo caderno de partituras de Rossini, revisado e harmonizado, mas que além das suas músicas, fale também um pouco sobre sua biografia. Natural de Nazaré da Mata/PE, Rossini foi um exímio bandolinista e compositor de obras que compõem o acervo canônico do repertório de choro. Oriundo de uma família de músicos de banda, seu contato com o bandolim se deu por intermédio de sua irmã mais velha, Agripina Ferreira, mais conhecida como “Tita” (ALCÂNTARA, 2009). Em 1931, ao se mudar com a família para Recife, rapidamente começa a se inserir na cena musical da cidade, passando a integrar um novo grupo musical que estava surgindo: o Bando Pernambucano. Foi como integrante deste conjunto que viajou pela primeira vez ao Rio de Janeiro, na década de 1930. Em 1959, integrando uma comitiva composta por chorões do Recife que partiram rumo à casa de Jacob do Bandolim (1918-1969), voltaria pela segunda vez à cidade que anos depois viria a se tornar seu lar temporário. Nesta segunda viagem, realizada em um Jeep Wyllis, teve a companhia do lendário violonista Canhoto da Paraíba (1906-2008), do renomado violonista recifense Zé do Carmo (1899-1977) e de sua aluna, a exímia violonista Dona Ceça (1930-2014), bem como de seus respectivos cônjuges (CAZES, 2021; TELES, 2022; SALES, 2024). Em 1969, ao mudar-se para o Rio de Janeiro, passa a integrar o conjunto Amigos do Choro (CAZES, 2021), um regional composto por músicos diletantes e amadores. Com eles, vence no ano de 1977, os dois mais importantes concursos de choro da época: I Concurso de Conjuntos de Choro, no Rio de Janeiro, com o choro Recado e o I Festival Nacional de Choro, realizado em São Paulo, com o choro Ansiedade. Ao regressar à Recife, na década de 1980, passa a integrar a Orquestra de Cordas Dedilhadas, grupo vinculado ao Conservatório Pernambucanos de Música (CPM). Sua carreira musical rendeu uma discografia de 4 discos autorais, além de algumas participações em discos de outros artistas e um caderno de partituras que nunca fora lançado oficialmente, organizado pelo também bandolinista e amigo, Wilson Maria (2003). O trabalho está sendo realizado por meio pesquisa bibliográfica, análise documental e entrevistas com pessoas que conheceram e conviveram com o compositor, tanto em Recife quanto no Rio de Janeiro. Até o momento, o trabalho já conta com uma sólida pesquisa bibliográfica, entrevistas com amigos e um levantamento do total de suas composições, incluindo as composições póstumas.

        Speaker: Prof. LEANDRO MONTOVANI DA ROSA (Universidade Federal de Pernambuco (UFPE))
      • 23
        Amaro Carvalho de Siqueira e a genealogia do ensino de violão na Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte entre 1966 e 1995.

        Este trabalho tem como objetivo traçar a árvore genealógica dos professores de violão da Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (EMUFRN) a partir de Amaro Carvalho de Siqueira, o primeiro professor a ocupar a cadeira acadêmica de violão clássico na instituição. O estudo busca analisar a relação entre esses professores e Siqueira, identificando a influência e o legado deixado por ele na formação de novos professores de violão na EMUFRN. Utilizando uma abordagem metodológica baseada na pesquisa histórica documental e entrevistas, foi possível mapear a sucessão de professores de violão ao longo do tempo e investigar as conexões entre eles e Amaro Carvalho de Siqueira. Por meio da análise de registros diversos, foi possível compreender as influências diretas e indiretas de Siqueira na formação desses professores. Os resultados revelam uma linhagem de professores de violão que se desenvolve a partir de Amaro Carvalho de Siqueira, cada um deixando sua contribuição e influência única na formação dos alunos e no desenvolvimento do ensino de violão na EMUFRN. Essa árvore genealógica evidencia a importância do trabalho pioneiro de Siqueira na instituição ao longo das gerações subsequentes de professores. Conclui-se que a genealogia dos professores de violão da EMUFRN reflete uma continuidade, demonstrando a relevância do legado deixado por Amaro Carvalho de Siqueira. A compreensão dessa relação entre professores permite um maior entendimento da evolução do ensino de violão nessa instituição e destaca a importância de valorizar e preservar essa trajetória.

        Speaker: ALEXANDRE HENRIQUE DE SIQUEIRA (UFPB)
    • 12:30
      Almoço
    • Mesas: "Instrumentos e Práticas Musicais nos Contextos Históricos Brasileiros"
    • 15:30
      Intervalo
    • Comunicações: Comunicações 7
      • 24
        A sensibilidade musical nordestina elaborada como poética musical singular e topo-epocal

        O poema musical, que constitui a música de um povo ou de uma comunidade étnica reunida em um território em torno de sua arte, é o sensível musical (sonoro) articulado em formas próprias. É esta articulação sonora e seu sentido que o melófilo capta, vive e experimenta seu sentido como expressão de uma comunidade étnica, isto é, uma expressão que lhe advém como pertencente à comunidade. Pois a expressão musical tem a forma dos modos como a comunidade canta, toca, ouve e dança sua música, não importando se esses modos sejam formalizados matematicamente por análise ou não, apesar de serem passíveis disso. Foi no esforço pela compreensão desse sentido musical articulado que muitos eruditos e compositores brasileiros e de outros países procuraram desenvolver uma etnomusicologia, no intuito de poder elaborar uma música nacional (assim se dizia) enraizada nas formas próprias que o povo e as comunidades do território nacional espontaneamente ou “naturalmente” exprimiam em sua arte popular, numa espécie de descoberta e custódia dos fios melódicos típicos de uma tradição.Quando falamos de forma, não estamos aqui já pensando esse conceito relacionado à música no mesmo sentido daquele que é compreendido por Schönberg em seu livro Sobre a Composição. Talvez pudéssemos falar de forma elementar, que caracteriza o que ele denomina motivo e tema. Essas formas-motivo, que podem se constituir em temas, ou já estarem dados na arte de comunidades artísticas populares como temas constituídos nesse âmbito, tornaram-se, no Brasil, objeto de uma pesquisa etno-musicológica significativa. Expoentes fundamentais desse trabalho no Brasil foram Mário de Andrade, João Baptista Siqueira e José de Lima Siqueira. Estes últimos, os irmãos Siqueira, foram não somente teóricos, mas sobretudo gênios musicais. Neste excurso vamos nos dedicar a pensar especificamente o trabalho desenvolvido por João Baptista Siqueira e José Siqueira. Que a música assuma formas e significados históricos e territoriais próprios é algo que já desde muito tempo musicólogos em toda parte do mundo defendem. Como pensar filosoficamente, porém, o modo como essa articulação topo-epocal do sentido musical se constituiu através desses intérpretes teóricos e músicos eruditos do Nordeste do Brasil? Responder a essa questão a partir de uma análise do trabalho teórico musical dos irmãos Siqueira é o intuito desta comunicação.

        Speaker: GILFRANCO LUCENA DOS SANTOS (Universidade Federal da Paraíba)
      • 25
        Implicações e aplicações da inteligência artificial (IA) na criação musical do Nordeste do Brasil a partir de perspectivas do Sul Global: algumas reflexões

        Desde 1957, a criação musical assistida por computadores tem evoluído significativamente. Nos últimos anos, a inteligência artificial (IA) emergiu como uma ferramenta proeminente na produção de arte e música, integrando-se cada vez mais à indústria fonográfica global, especialmente a partir de 2018. Essa integração tem suscitado debates sobre ética, direitos autorais e o papel das culturas musicais e de seus criadores. Uma preocupação central no uso da IA para a criação musical é o possível desaparecimento da diversidade cultural no cenário global (Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2022). Isso se deve à escassez de dados representativos de diferentes culturas para o treinamento das máquinas, o que pode levar à homogeneização das produções musicais. Além disso, questiona-se por que dados culturais estão disponíveis publicamente e são utilizados gratuitamente para o treinamento de máquinas, enquanto o produto artístico resultante é comercializado, com direitos autorais e intelectuais atribuídos a uma máquina ou aos seus respectivos desenvolvedores (Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2022). Nesse contexto, é importante considerar países do Sul Global, como o Brasil, que possui uma das expressões musicais mais diversas do mundo. A indústria fonográfica brasileira é reconhecida como uma das maiores no cenário global (De Marchi, 2006). As raízes da música brasileira estão na cultura popular, com destaque para as influências africanas, afro-brasileiras e para a região Nordeste, considerada o berço de uma cultura autenticamente brasileira (Andrade, 2020; Santos, 2023). No entanto, no contexto nacional, a região Nordeste do Brasil enfrenta uma dinâmica de poder em que o Sudeste ocupa uma posição hierárquica de destaque. Com a IA potencialmente dominando a produção musical global, é crucial refletir sobre o lugar da música brasileira e nordestina, sobre o lugar dessas culturas musicais e de seus povos. Afinal, a música, além de organizar hierarquias de ordem política e individual, constrói e organiza memórias coletivas e individuais (Stokes, 1997). Portanto, a discussão sobre música popular midiática e massiva, sobre música e tecnologia, também implica uma compreensão cultural e estudos de patrimonialização e sustentabilidade do patrimônio, levantando questões epistemológicas e ontológicas. Estudiosos da criatividade computacional, musicólogos e compositores já apontam para a importância e urgência de estudos sobre música e IA sob uma perspectiva fundamentada nas Ciências Humanas e na própria arte (Caramiaux, Donnarumma 2022; Bown 2022). Dessa forma, este trabalho tem como objetivo discutir as implicações e aplicações da IA na criação musical, a partir de uma perspectiva da música do Nordeste do Brasil.
        Palavras-chave: Criação musical e IA; Música e tecnologia; Música popular; Música brasileira; Cultura do Nordeste do Brasil

        Speaker: Prof. Marília Santos (Universidade Federal Da Paraíba (UFPB))
      • 26
        A tópica nordestina na música de Nelson Faria: alguns apontamentos

        Este trabalho busca explorar a aplicação da teoria das tópicas musicais na análise da produção artística do guitarrista Nelson Faria, buscando identificar a presença da Tópica Nordestina na obra do guitarrista. A abordagem teórica das tópicas musicais, amplamente discutida por estudiosos como Leonard G. Ratner (1980), Kofi Agawu (1991) e Robert S. Hatten (2004) tem sido utilizada como uma metodologia de análise retórica, inicialmente voltada para o repertório da música europeia ocidental, especialmente nas obras dos períodos barroco, clássico e romântico. Agawu (1991) aponta que a música clássica europeia, sobretudo entre os anos de 1770 e 1830, era intencionalmente projetada para se comunicar com o público, unificando expressão e estrutura dentro de convenções retóricas musicais. Um exemplo notável citado por Agawu (1991) é o uso do estilo “alla turca” por Mozart na ópera Die Entführung aus dem Serail (1782). Nesse contexto, mesmo diante de uma cena em que a personagem expressa fúria, o estilo introduz um tom cômico, estabelecendo uma conexão com o público por meio de códigos culturais compartilhados. Tal uso reflete o domínio de Mozart sobre esses códigos extramusicais e sua habilidade técnica para produzir o efeito desejado (Bastos; Piedade, 2007, p. 2).

        O pesquisador Acácio T. Piedade tem ampliado essa abordagem para o estudo de repertórios de música popular, com ênfase em gêneros como a música instrumental brasileira e o jazz brasileiro (Piedade, 2005a, 2005b, 2007, 2011). Seu objetivo é promover uma análise musicológica identificando novas tópicas neste contexto, que também contemple os aspectos históricos e socioculturais característicos da música popular, considerando sua natureza amplamente heterogênea.
        Paralelamente ao referencial metodológico supracitado, a presente pesquisa utiliza parcialmente o modelo de análise musicológica de música popular proposto por Phillip Tagg (1987, 2003, 2013). Tal modelo inclui a comparação de objetos musicais, a construção de uma lista de verificação de parâmetros musicais com base em um enfoque estruturalista e formalista, além do conceito de “musema”, que corresponde a uma unidade mínima de significação musical, podendo ser representada por uma figura rítmica, um timbre, uma textura ou um gesto. Esses recursos têm nos auxiliado na delimitação de novas tópicas dentro do repertório de Nelson Faria.

        Por meio de análises de trechos transcritos de improvisações e composições de Nelson Faria, foi possível identificar algumas tópicas já descritas por Bastos e Piedade (2007), como a Tópica Nordestina por exemplo. Portanto, nossa ênfase com a presente comunicação é apresentar a ocorrência da Tópica Nordestina no repertório de Nelson, buscando apontar através da análise musicológica de que forma essa tópica aparece em sua obra, estudando quais aspectos musicais poderiam ser indicadores (musemas) da presença da musicalidade nordestina para configurar a tópica. Buscamos dessa forma, contribuir com o debate musicológico da área da música popular.

        Speaker: Alexandre Cortez (Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF)
      • 27
        O violão no Nordeste: práticas e saberes com a percussão violonística

        Este estudo investiga o papel do violão como mediador entre manifestações musicais nordestinas e performances individuais que integram possibilidades percussivas com o corpo acústico do instrumento a partir de composições para violão solo. A pesquisa concentra-se em experiências artísticas de violonistas como Edvaldo Cabral, Antonio Madureira e o próprio autor (Leo Aguiar) por estabeleceram abordagens artísticas entre gêneros musicais populares do Nordeste, o violão solo e o que se considera, nesta investigação, como percussão violonística, na interação entre as possibilidades de toques nas cordas e no corpo acústico do violão. A abordagem qualitativa, apoiada em procedimentos bibliográficos e documentais, abrange a coleta de dados em registros audiovisuais, sonoros e em partituras das obras para violão solo dos artistas abordados. A pesquisa justifica-se pelas lacunas de estudos acadêmicos acerca das relações entre discursos, práticas e saberes, considerando procedimentos recorrentes do violão de concerto e sua articulação com as possibilidades percussivas do corpo acústico do instrumento, em diálogo com linguagens percussivas presentes na diversidade de manifestações culturais do Nordeste brasileiro. As discussões e análises contemplam as experiências artísticas dos três violonistas por meio de performances e composições, com ênfase em suas respectivas criações para violão solo, como Xaxado, Maracatu e Suíte-Zabumba. A pesquisa aproxima-se da ideia do violão como experiência múltipla, sob a perspectiva do violão percussivo enquanto percussão violonística no contexto cultural nordestino, entendido como espaço de múltiplas performances e de interações artísticas coletivas e individuais. Nesse sentido, estabelecem-se relações dialógicas entre enunciados musicais de linguagens percussivas em trânsito do Nordeste, que influenciam e inspiram experiências artísticas com o violão solo. Práticas e saberes globais e locais, sejam eles musicais ou extramusicais, tensionam as relações presentes nas experiências artísticas analisadas, por meio de discursos violonísticos de concerto e de outros modos de tocar o violão. Para o campo da musicologia, a pesquisa pode ampliar o debate sobre as práticas e saberes relacionados ao violão, entendido como instrumento de possibilidades melódicas, harmônicas, polifônicas, rítmicas e percussivas, ao sintetizar elementos musicais e traduzir dimensões simbólicas das expressões culturais nordestinas, partindo da perspectiva abrangente de violão percussivo.

        Palavras-chave: Violão solo; Nordeste brasileiro; Percussão violonística; Violão percussivo; Música do Nordeste.

        Speaker: Leonardo Silva (Universidade Federal de Pernambuco)
    • Comunicações: Comunicações 8
      • 28
        Baixo contínuo: relações de escrita entre Luís Álvares Pinto e José Maurício Nunes Garcia

        Este resumo aborda a escrita do baixo contínuo nas obras dos compositores Luís Álvares Pinto (1719-1789), de Pernambuco, e José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), do Rio de Janeiro. Luís Álvares Pinto estudou em Lisboa, e sua obra musical revela uma técnica de escrita ligada à de seus contemporâneos portugueses. José Maurício Nunes Garcia, por sua vez, não esteve em Portugal, e sua escrita musical apresenta diferenças quando comparada à de seu predecessor.
        O baixo contínuo foi uma forma composicional muito difundida na Europa durante os séculos XVII e XVIII. Para sua realização, o compositor escrevia a melodia e o baixo, sendo que este era tocado em um ou mais instrumentos de contínuo, geralmente reforçado por um instrumento de apoio. Acima das notas do baixo, o executante do instrumento de tecla ou o alaudista introduzia os acordes convenientes, cujas notas não eram escritas.
        Na obra Tibis Omnes, pertencente à composição Te Deum Laudamus, de Luís Álvares Pinto, encontra-se uma escrita de baixo contínuo na qual não há indicação de cifragem; já na clave musical, não se encontram sinais de alteração. Isso reflete uma prática antiga, ligada ao modelo dos motetos sacros e à tradição contrapontística, ainda em voga em Portugal naquele período. No manuscrito restaurado e editado pelo padre Jaime Diniz, o fragmento estudado aparece escrito para coro a quatro vozes (soprano, contralto, tenor e baixo), com duas linhas de trompa e uma escrita de baixo, disposição típica do Barroco europeu.
        Já a obra Dies Sanctificatus (1793), de José Maurício Nunes Garcia, é organizada a partir de uma introdução de oito compassos. Em seguida, há uma estrutura de ligação instrumental que conecta as duas partes do grupo vocal, seguindo de uma coda e integrando-se à arquitetura da obra. É uma composição unitária em que se apresenta somente um decorrer musical; pode-se afirmar, assim, que a obra possui um conceito uniforme, pois tem um sentido único atribuído a si. A partitura vocal deste gradual foi escrita para coro a quatro vozes (soprano, contralto, tenor e baixo), com orquestra de cordas, duas trompas e uma escrita para baixo contínuo.
        Nota-se, portanto, que existe uma escrita de baixo contínuo para coro nas duas obras em questão, no entanto, elas diferem: enquanto Luís Álvares Pinto insere somente as notas, sem marcar os acidentes musicais nas claves, José Maurício Nunes Garcia marca as notas do baixo contínuo e insere a marcação das cifragens para sua realização. Outra incidência reconhecida é a prática antiga de marcar, na escrita, o baixo contínuo e colocá-lo acima das notas, e não abaixo delas.
        Assim, apesar de serem de gerações próximas, percebemos práticas de escrita diferentes entre os dois compositores brasileiros. Luís Álvares Pinto liga-se a práticas comuns em Portugal por volta do século XVIII, enquanto José Maurício Nunes Garcia prenuncia, em terras brasileiras, o estilo “rococó” ou “galante” e seus derivativos.

        Palavras-chave: Luís Álvares Pinto; José Maurício Nunes Garcia; baixo contínuo.

        Speaker: Mr Luiz Carlos Teixeira Melo (UNESP)
      • 29
        Armorieta – Uma suíte pernambucana para Flauta doce e Cravo

        O presente trabalho, de caráter qualitativo, tem como objetivo apresentar a suíte Armorieta composta por Evandro Jorge em 2020, na ocasião da comemoração dos 50 anos do movimento armorial, vinculada a uma estética de inspiração da cultura popular do Nordeste do Brasil dialogando também com os nossos respectivos trabalhos de mestrado na área de práticas interpretativas.
        É importante também apontarmos a colaboração entre intérpretes e compositor, buscando apresentar uma obra originalmente composta para flauta doce e cravo com os elementos da música pernambucana, apontando aspectos que contribuem à criação e difusão de novas obras vinculadas a essa formação instrumental. O uso de instrumentos europeus na prática da música nordestina, reitera as diversas possibilidades de repertórios do instrumento, assim como a potencialidade de inserção dessa prática camerística para essa formação instrumental enaltecendo a cultura à qual os instrumentistas e compositor estão vinculados.
        Os instrumentos flauta e cravo, individualmente, já possuem certo protagonismo na prática da música dita popular, como podemos observar em Silva (2023), que apresenta um levantamento de choros compostos originalmente para flauta doce, em Rodrigues (2023), com arranjos de frevo para flauta doce e cravo, em Gatti (2017), onde aborda repertórios para o cravo em linguagem da música brasileira de fonte popular, em Matos (2024), com transcrições para cravo de música armorial.
        Práticas composicionais para a formação flauta doce e cravo dentro da música armorial vem sendo apresentadas por Barros, Barroso (2021), Barros, Barroso (2023), Silva, Matos (2023). Armorieta traz diferentes manifestações ligadas ao nordeste como: Caboclinho, Cantiga, Coco e Frevo, muito presentes na cultura pernambucana. O trabalho apresenta como são explorados os diferentes ritmos, o uso das células rítmicas características e os papéis que os instrumentos assumem, colocando o cravo não apenas como instrumento de acompanhamento rítmico/harmônico para a flauta doce, mas estabelecendo diálogos e apresentando protagonismo na prática musical. Além disso, aborda-se os caraterísticas de cada dança como recursos interpretativos para que o interprete que não esteja inserido na prática da música nordestina, possa ter subsídios para a execução da peça.
        A importância do papel do intérprete no desenvolvimento de novas obras, assim como a exploração dos gêneros pernambucanos vinculados à música camerística são pontos marcantes á qual podemos esclarecer a partir da criação e performance da suíte Armorieta.

        Speakers: Mr Ladson Ferreira de Matos (Escola Técnica Estadual de Criatividade Musical), Lucas Barbosa da Silva (Escola Técnica Estadual de Criatividade Musical)
      • 30
        A presença do cravo no Recife nas décadas de 1950 e 1960

        Esta comunicação apresenta resultados parciais de uma pesquisa em andamento que visa realizar um mapeamento histórico da presença do cravo em Pernambuco, tendo como ponto de partida o levantamento realizado por esta autora sobre o cravo no Movimento Armorial (Barroso, 2024). O recorte escolhido está relacionado ao Recife nas décadas de 1950 e 1960, período que coincide com o ressurgimento do instrumento sob diferentes contextos, com destaque para o movimento de “música antiga”, cujo epicentro, no Brasil, se deu no Rio de Janeiro e em São Paulo. Não obstante, é possível observar seus reflexos no Recife, principalmente se tomarmos como fontes os jornais da época, que demonstram alguma similaridade com os achados de Fagerlande, Pereira e Barroso (2020) em pesquisa sobre o cravo no Rio de Janeiro. Para isso, foi realizada pesquisa documental na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, em especial nos jornais Diário de Pernambuco (1950 a 1969) e Diário da Manhã (1950; 1960 a 1969).

        As notícias do período mencionam o cravo sob diferentes aspectos: divulgação de discos; programação das rádios; presença no cinema; informes sobre concertos ou artistas em outras cidades/estados do Brasil e no exterior; biografias de compositores; comparação com o piano; repertório, entre outros. É possível também identificar o uso equivocado do nome cravo para representar outros instrumentos de teclas. Mas a escolha desse período se deu, principalmente, por ter sido aquele em que surgiram as primeiras notícias sobre concertos com utilização do cravo no Recife, importante contribuição da Sociedade de Cultura Musical.

        Embora a reintrodução do instrumento no Recife se dê de forma similar ao que acontece em outros locais, sua presença ganhará contornos próprios nas décadas seguintes, por sua incorporação à música armorial, cujos desdobramentos trazem importante contribuição para a história da presença do cravo em Pernambuco e no Brasil, e para o repertório de música brasileira para o instrumento.

        Palavras-chave: cravo; música; Recife; década 1950; década 1960

        REFERÊNCIAS

        BARROSO, Maria Aida. Influências Armoriais na música brasileira para cravo. Tese (Doutorado em Musicologia). Rio de Janeiro: PPGM – UFRJ, 2024.
        Diário da Manhã (PE). 1950; 1960 a 1969. In: https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/.
        Diário de Pernambuco (PE). 1950 a 1969. In: https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/.
        FAGERLANDE, Marcelo; PEREIRA, Mayra: BARROSO, Maria Aida. O Cravo no Rio de Janeiro do Século XX. Rio de Janeiro: Rio Books, 2020.

        Speaker: Dr MARIA AIDA FALCAO SANTOS BARROSO (Universidade Federal de Pernambuco - UFPE)
      • 31
        Por uma missa nordestina: a música sacra e o movimento armorial

        Em 1970, Ariano Suassuna lança o movimento armorial, tendo como eixo central o encontro entre o erudito e o popular na criação de uma arte brasileira, tendo como repertório e inspiração as expressões culturais do Nordeste. Antes disso, em 1964, o Papa Paulo VI encerrava o Concílio Ecumênico Vaticano II, que modificou profundamente a relação da igreja com a cultura e a compreensão do papel da música em seus seculares rituais e liturgias. O aggiornamento proposto pela constituição conciliar Sacrossanctum Concilium, para a sagrada liturgia, fez com que diversas propostas musicais surgissem com o intuito de adaptar o repertório às especificidades de cada cultura, entendendo a chamada Inculturação como método derivado do encontro entre a cultura eclesiástica e as expressões populares. É nesse contexto que se desenvolve a pesquisa “Música Popular Religiosa”, proposta pelo Departamento de Extensão Cultural da UFPE em 1967 pelo então Diretor, Hermilo Borba Filho. Em 1969, com a chegada de Ariano Suassuna à direção do departamento, a pesquisa ganha fôlego e se torna material de referência para a gênese do movimento e sua produção musical, por conseguinte. Benditos, Excelências, Cantos de Petição, Cantos de procissão e dos penitentes de várias cidades pernambucanas são registrados pelos pesquisadores José Maria Tavares de Andrade e Generino Luna, trazendo um recorte interessante da religiosidade popular local. Bebendo dessas influências, duas missas completas são compostas pela “geração armorial”: A grande missa nordestina (1977), de Clóvis Pereira (1932-2024), e a Missa Armorial (1982), de Capiba (1904-1997). A “Missa Sertaneja” (1971), de Cussy de Almeida (1946-2010), chega até nós incompleta, tendo sido compostas pelo compositor somente as partes do Kyrie e do Gloria. As três, portanto, nos apresentam a leitura do movimento armorial à música sacra. Neste artigo, tendo por base os trabalhos de Nóbrega (2007), Amaral (2013), Bezerra (2014), Reis e Fiorini (2017) e Silva (2023), buscamos a partir das seguintes categorias discutir os aspectos musicais atribuídos ao texto litúrgico que indicam traços de “nordestinidade”: melodia, forma e textura, ritmo, harmonia, afinação e timbre. O uso de ritmos frequentemente encontrados nas expressões populares do nordeste, como o maracatu, o caboclinho e o terno de pífanos, por um lado, nos dão indícios desta nova roupagem nordestina à música sacra dada pelo movimento. Por outro lado, as referências ao canto gregoriano e ao uso do recitativo, próprio da tradição musical cristã, além do uso do latim, ainda que a missa em vernáculo já estivesse em voga, trazem também à tona os aspectos canônicos do gênero que foram mantidos pelos compositores. Os caminhos metodológicos empreendidos influenciaram outras composições posteriores, como a Missa de Alcaçuz, do compositor Danilo Guanais (1965). Dentro desses grandes contrastes, podemos perceber a riqueza e a originalidade das contribuições armoriais para a música sacra, evidenciando a força do diálogo entre tradição e inovação que marca a essência do movimento.

        Speaker: Roberto Dutra (Universidade Federal de Pernambuco)