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O presente estudo discute a reverberação no campo da música popular brasileira, na segunda metade do século XX, de uma brasilidade inspirada nos sertões do nosso país, sobretudo nos sertões da região nordeste. Brasilidade que, sonoramente, passa a ser traduzida por meio de procedimentos composicionais modais. Tal modalidade é ouvida ainda hoje como índice de brasilidade e está presente na produção de compositores populares nordestinos e não-nordestinos que obtiveram projeção no cenário nacional – e até mesmo internacional – a partir dos anos 1960. É o caso de artistas como Alceu Valença, Baden Powell, Caetano Veloso, Dominguinhos, Edu Lobo, Egberto Gismonti, Elomar, Geraldo Azevedo, Gilberto Gil, Hermeto Pascoal, Moacir Santos, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, entre tantos outros.
Cruzando dados biográficos desses artistas com depoimentos, críticas, estudos de identidade, de nacionalismo e de invenção de tradições, aliados a análises de recursos composicionais, este trabalho problematiza esse modalismo nordestino. Um modalismo que é apontado pela crítica musical como zona de interseção na produção desses compositores, e que tende a ser valorado como manifestação da essência de nossa cultura. Procurando contrapor tal visão, na presente comunicação esse modalismo é ponderado sob o prisma da indústria cultural: como poética temporalmente e geograficamente localizável, que atende a um determinado projeto de identidade nacional brasileira.
São levantados questionamentos em relação à forma como o modalismo nordestino é naturalizado em sua expressão a partir da autoridade e prestígio alcançados na grande mídia por determinados compositores nas décadas de 1960, 1970 e 1980. É aventada a possibilidade de que tal prestígio e sucesso midiático esteja relacionado ao fato desses compositores corresponderem aos estereótipos que estavam sendo propagados a respeito das sonoridades ‘tipicamente’ brasileiras naquele momento histórico-político.
O estudo comenta ainda a relação entre a exploração de sonoridades modais e discursos sobre o cultivo de valores como ancestralidade, rusticidade, simplicidade, pureza, honestidade e fé. Para isso, faz alusão ao mito do “bom selvagem”, do filósofo franco-suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). São investigadas estratégias de legitimação dessa brasilidade, como a valorização das origens e vivências sertanejas dos compositores populares em questão, bem como a vinculação de suas produções com a obra de ‘heróis nacionais’, como Villa-Lobos e Guimaraes Rosa.
Em suma, o trabalho apresenta uma reflexão sobre o potencial das sonoridades ditas modais nordestinas endereçarem um movimento musical inserido num projeto estético-ideológico específico (anos 1960-80). Tal movimento, teria sido colocado em prática por múltiplos agentes, a exemplo de críticos musicais, produtores culturais de atuação midiática, curadores de eventos, diretores de peças teatrais, empresários da indústria fonográfica, entre outros, além dos próprios artistas.
Palavras-chave: modalismo; modal nordestino; sonoridades nordestinas na música popular brasileira; MPB dos anos 1960 a 1980.
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