Descrição
Introdução
O avanço da ciência proporcionou grandes mudanças nas manifestações artísticas do ser humano ao longo do tempo, em toda a sua amplitude, na pintura, nas artes cênicas e, sobretudo, na música, a qual fortemente relacionada às ciências físicas e à matemática. Em tempos remotos, a harmonia musical do universo já era investigada pelos filósofos e cientistas, tendo a música uma posição de destaque e era uma disciplina obrigatória nos currículos básicos. Desde o século XVI, no Brasil, os jesuítas já a utilizavam como atrativo nos seus ideais de catequização na educação dos povos primitivos que por aqui viviam.
Em si, a música é um grande veículo de aprendizado cultural; capaz de ensinar ciências, línguas, matemática, história, geografia, moral, religião, costumes, entre outros. São inúmeras as vantagens para a utilização da música como recurso didático-pedagógico em aulas de Física e Ciências. Sendo uma alternativa de baixo custo, constituiu-se numa oportunidade estratégica e motivacional de aproximando o aluno do tema a ser estudado, de forma prazerosa, lúdica e cultural, ultrapassando a barreira da educação formal.
A presença de temas científicos e ambientais em letras musicais de bandas de rock já vem sendo notada por alguns pesquisadores. O rock se consolida como um gênero musical, não apenas pela temática em suas letras ao levantar questões sobre diversos temas – meio ambiente, evolução tecnológica, astronomia e exploração espacial –, mas por permitir reflexões em nível conceitual, epistemológico e sociopolítico sobre a ciência, a tecnologia e suas relações com a sociedade e o ambiente; ora pela sua própria manifestação de sua musicalidade, ora na sua forma de tocar e cantar.
Diante deste pressuposto, neste trabalho de pesquisa foram selecionadas algumas canções do rock nacional em língua portuguesa, como recurso didático, a fim de possibilitar aos estudantes um maior entendimento e compreensão de seu conteúdo; valorizando a cultura brasileira, dividindo-as em dois grupos: CTSA (Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente) e Astronomia. A partir da leitura, análise reflexiva e interpretação de suas letras, sob a luz dos conceitos de Física e Ciências, é possível discernir o papel da música como um recurso didático com caráter lúdico em potencial a fim de instaurar um processo significativo e instigador no ensino de Ciências e de Física.
Percurso Metodológico
Para a elaboração deste trabalho envolveram-se as seguintes instâncias: Elaboração, Audição e Análise. A primeira etapa, Elaboração, constituiu-se na criação e reflexão da ideia a qual se propõe este estudo, incialmente por meio da leitura de trabalhos acadêmicos relacionados ao tema, bem como no levantamento de quais canções e grupos musicais do gênero Rock n’ Roll se adequariam às finalidades do projeto.
O passo seguinte, a Audição, refere-se a escuta das músicas pré-selecionadas na etapa anterior. Por conseguinte, na Análise, em paralelo à escuta das canções, fez-se uma leitura reflexiva, a fim de delimitá-las e associá-las aos temas propostos e conteúdos a serem abordados nas aulas de Física e Ciências. De todo o conjunto amostral levantado, dividiram-se tais letras musicais em dois grupos, apresentados a seguir.
Contexto Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente
A grande finalidade da educação em Ciências numa perspectiva CTSA (Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente) é compreender a dimensão social da Ciência e da Tecnologia, tanto no que diz respeito aos fatores de natureza social, política ou econômica que influenciam a mudança científico-tecnológica, como no que concerne às repercussões éticas, ambientais ou culturais dessa mudança. Partindo deste princípio, considerando-se questões de cunho sócio tecnológico e ambientais, muito se discute sobre a relevância da matriz energética nuclear, como fonte alternativa de geração aptas a suprir as demandas futuras de um mundo cada vez mais global e conectado à aparelhos eletrônicos.
Porém, em detrimento do aumento no nível da segurança nas instalações das usinas nucleares, acidentes como os ocorridos em Chernobyl (1986) e em Goiânia (1987), ainda ecoam na mente grande parte da sociedade. Por outro lado, teme-se o uso desta tecnologia para fins bélicos, como na fabricação de artefatos militares com capacidade de destruição em massa. Sendo assim, ao abordar o tema de fontes energia, tanto com os alunos do Ensino Fundamental, quanto no Ensino Médio – nas aulas de Termologia/Termodinâmica e Eletricidade, pode-se questionar aos alunos e propor debates sobre a segurança, a eficiência e a confiabilidade desta fonte de energia, a partir da escuta e leitura reflexiva das canções “Angra dos Reis” do grupo Legião Urbana e “Rosa Hiroshima”, música do disco de estreia dos Secos e Molhados.
Composta por Renato Russo, Renato Rocha e Marcelo Bonfá e lançada em 1987, no álbum “Que País É Este”, a canção “Angra dos Reis” faz uma crítica contundente à construção da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, localizada na cidade. Ao final do videoclipe da canção, aparecem cenas de uma usina nuclear, e ouve-se um informativo dito por uma jornalista: "O perigo já passou. Os técnicos já foram chamados. Não há motivo para alarme. Tomaremos as medidas necessárias. Estamos do lado de vocês".
A canção "Rosa de Hiroshima", originalmente um poema de Vinicius de Moraes, na forma de protesto sobre as explosões das bombas atômicas ocorridas nas cidades japonesas de Hiroshima, em 6 de agosto de 1945, e Nagasaki, três dias depois, durante a Segunda Guerra Mundial, constitui-se num grito pacifista que compara a explosão da arma de destruição mais letal já criada pela humanidade com o desabrochar de uma rosa. Sempre relacionada à beleza, desta vez a rosa nos faz lembrar dos horrores resultantes de uma guerra, conforme pode ser visto no trecho: “Pensem nas feridas como rosas cálidas/Mas, oh! Não se esqueçam da rosa, da rosa/Da rosa de Hiroshima, a rosa hereditária” (CONRAD, MATOGROSSO, RICARDO, 1973).
Astronomia
O uso de temas sobre a origem do Universo e exploração espacial aparecerem no trabalho de diversos artistas desse gênero musical. Astronomia, ciência e tecnologia são temas recorrentes nas letras do rock. Logo, no cenário musical nacional pode-se listar inúmeras canções de diversas bandas que retratam esta temática.
Novamente, o trio Secos e Molhados em “Flores Astrais” faz uma analogia à Teoria da Grande Explosão, em inglês, Big Bang. Logo, poderia ser utilizada como o ponto de partida para explanar sobre a origem da vida e do universo, além de expor alguns conceitos da Teoria da Relatividade e da Astronomia.
Segundo a Teoria do Big Bang, no passado, as galáxias deveriam estar mais próximas que hoje, e, até mesmo, formando um único ponto. Este único ponto, conforme o primeiro verso da letra, este seria uma alegoria do "grito de estrelas vindo do infinito". O termo explosão, a grande liberação de energia que criou o espaço-tempo, refere-se à expressão "bando de luz repete o grito", ou seja, a luz da explosão.
A variação de cores descrita no terceiro verso e remete a todas as formas de radiação visíveis e invisíveis geradas pela grande explosão. Cerca de 1 bilhão de anos após o Big Bang, os elementos químicos começaram a se unir dando origem às galáxias, as "flores astrais" presentes no quarto verso da primeira estrofe. Por fim, o significado da expressão "O verme passeia na lua cheia" – contida no refrão e repetida por doze vezes – pode ser a criação da vida a partir de formas mais simples de vida, ou a nossa insignificância, nossa pequenez perante a imensidão do universo.
O Violeta de Outono, grande nome do rock nacional, possui uma sonoridade relacionada ao rock progressivo. Grande parte de suas letras reiteram um discurso sobre a astronomia, ciência, a tecnologia e a sociedade em suas canções. Na canção “Solstício”, articula temas astronômicos com cosmologia e aspectos de filosofia da natureza da antiguidade. Na mesma canção, reflete sobre os tipos de movimentos do planeta Terra, as interações gravitacionais entre a Terra e a Lua e as concepções antigas da estrutura da matéria.
As canções “Flores Astrais” e “Solstício” ilustram alguns exemplos de composições, cujas composições estão alinhadas com conceitos de Astronomia e a Origem do Universo. Ambas, assim como outras obras de outras bandas (“A Leste do Sol, Oeste da Lua”, do grupo mineiro Sagrado Coração da Terra; por exemplo), podem ser utilizadas em atividades envolvendo alunos de todos os níveis de ensino, instigando-os a refletir e pensar sobre o surgimento do sistema planetário, dos astros e da vida.
Conclusões
De certo modo, as músicas fazem parte do nosso cotidiano, traduzindo sentimentos, situações, informações acerca dos seres vivos, dos processos científicos e dos espaços em que vivemos. Pode-se observar que o campo das formas musicais é verdadeiramente fértil e de fácil assimilação, portanto, útil para o trabalho do professor que deseja renovar, dinamizar e buscar maior eficiência de aprendizado em seu modo de explicar a matéria.
Por meio da união entre o saber e as canções, os professores poderão realizar um elo entre o conhecimento e a descontração, aproximando o conhecimento artístico do conhecimento científico, se tornando como sujeitos mediadores de cultura dentro do processo educativo. Dessa forma, poderão procurar e reconhecer todos os meios que têm em mãos para criar, à sua maneira, situações inovadoras de aprendizagem.
Referências
CARDOSO, F. Solstício. In: Espectro CD. São Paulo: MOSH Studios, 2012. Faixa 8.
CONRAD, G.; MATOGROSSO, N.; RICARDO, J. Flores Astrais. In: Secos & Molhados II. LP. São Paulo: Continental, 1974. Faixa 2.
________. Rosa de Hiroshima. In: Secos & Molhados. LP. São Paulo: Continental, 1973. Faixa 9.
RUSSO, R; ROCHA, R; BONFÁ, M. Angra dos Reis. In: Que País É Este 1978/1987 LP. Rio de Janeiro: EMI Brasil, 1987. Faixa 1 Lado A.